O que são os direitos de vizinhança?
Os direitos de vizinhança abrangem uma gama de assuntos, que vão desde a regulamentação dos frutos e galhos de árvores até os direitos de construção e passagem em propriedades vizinhas. Essas disposições legais estão descritas nos artigos 1277 a 1313 do Código Civil.
A natureza jurídica dos direitos de vizinhança é classificada como obrigação propter rem, ou seja, uma obrigação que está intrinsicamente ligada à coisa em questão.
Antes de adentrar na explanação detalhada desses direitos, gostaria de compartilhar um pouco de minha experiência pessoal para destacar a importância dos direitos de vizinhança.
E por que os direitos de vizinhança são importantes?
Mesmo com a compreensão de sua definição e propósitos, muitas pessoas ainda não conseguem apreender plenamente a verdadeira relevância da legislação dos direitos de vizinhança e seu impacto na sociedade em geral. Portanto, optamos por abordar este tópico de forma mais detalhada.
Conforme mencionado anteriormente, o principal objetivo dos direitos de vizinhança é evitar litígios entre os residentes de uma determinada vizinhança, possibilitando uma convivência pacífica e respeitosa, sem ultrapassar limites ou desafiar os direitos alheios.
Na realidade brasileira, muitas pessoas consideram os direitos de vizinhança como algo desnecessário e sem sentido, argumentando que, na maioria das situações em que tais direitos se aplicam, o bom senso seria suficiente para resolver qualquer disputa. No entanto, é fundamental lembrar que nem todos possuem um senso comum bem desenvolvido.
Nesse contexto, todas as obrigações legais devem ser devidamente estabelecidas por meio da legislação, independentemente de quão óbvias possam parecer, a fim de assegurar que todos os cidadãos sigam o caminho correto e, assim, evitem conflitos desnecessários entre vizinhanças.
Quais são os direitos de vizinhança?
Conforme o Código Civil, os direitos de vizinhança são:
Passagem forçada
O artigo 1.285 do Código Civil estabelece que o proprietário de uma propriedade que não tenha acesso a uma via pública, nascente ou porto, pode, mediante o pagamento de uma compensação financeira, exigir que seu vizinho permita a passagem.
No entanto, esse direito somente é válido quando a ausência de acesso a uma via pública é natural e intransponível, ou seja, não causada pelo próprio proprietário. Portanto, se houver uma saída, mesmo que seja inconveniente, o proprietário não pode exigir do vizinho o direito de passagem.
É importante destacar que se houver uma venda parcial da propriedade, de modo que uma das partes perca o acesso a uma via pública, nascente ou porto, o proprietário da outra parte é obrigado a permitir a passagem, conforme estipulado no § 2º do artigo 1.285 do Código Civil.
Para a proteção de seus direitos, é possível recorrer a ações legais, como a ação de dano infecto ou a ação de passagem forçada.
As árvores limítrofes e seus frutos
O artigo 1.282 do Código Civil estabelece que, se o tronco de uma árvore estiver na linha divisória entre duas propriedades, presume-se que ela pertença em comum aos proprietários dos terrenos adjacentes. Além disso, presume-se que a árvore, cujo tronco não esteja na linha divisória, pertence ao proprietário do terreno onde suas raízes estão fincadas.
Quando a árvore é considerada de propriedade comum entre os dois vizinhos, tanto os frutos quanto o tronco pertencem a ambos. Nenhum dos vizinhos pode removê-la sem o consentimento do outro.
Quanto aos frutos que caírem naturalmente, eles pertencem ao dono do solo onde caíram, conforme disposto no artigo 1.284 do Código Civil. Além disso, de acordo com o artigo 1.283 do mesmo código, o proprietário do terreno invadido pelas raízes ou galhos da árvore tem o direito de cortá-los até o nível da linha divisória.
O direito de passagem de vias, cabos e tubulações
O dono de uma propriedade é obrigado a permitir a passagem de cabos e tubulações subterrâneas pertencentes a serviços de utilidade pública através de sua terra, em benefício de seus vizinhos. Ele tem direito a uma compensação, que pode também incluir o ressarcimento pela desvalorização da área utilizada para a passagem, conforme estipulado no artigo 1.286 do Código Civil.
Direito de passagem da água
A água é indiscutivelmente um recurso vital para a sobrevivência. Portanto, é crucial que haja uma regulamentação abrangente no Código Civil referente à passagem de águas, abordada nos artigos 1288 a 1296. Esses artigos se concentram especificamente nos direitos de vizinhança, ou seja, nos direitos que dizem respeito diretamente aos vizinhos.
Além disso, existem regulamentações específicas que tratam de questões mais amplas relacionadas ao uso e à passagem de água, incluindo normas ambientais.
Em síntese, a norma estabelece que o fluxo natural da água deve ser permitido pelo proprietário do imóvel que a recebe, mas qualquer alteração artificial nesse fluxo deve ser objeto de indenização. Adicionalmente, é proibido realizar qualquer modificação que tenha como intenção prejudicar um dos vizinhos, o que está alinhado com os princípios fundamentais do direito de vizinhança.
O Código Civil também inclui diversas disposições relacionadas à possibilidade de canalização de água por meio de propriedades vizinhas, e os princípios das previsões de passagem de cabos e tubulações são aplicados a essa finalidade. Em todos esses casos, o foco está na garantia de que o acesso à água seja assegurado para necessidades essenciais, tanto para a vida cotidiana quanto para atividades econômicas.
Reforçando o conceito fundamental, se houver alguém prejudicado por essas ações, ele tem o direito de receber uma compensação e, se aplicável, pode até exigir a demolição da obra, conforme as disposições do artigo 1.302, que estipula um prazo específico para essa ação (um ano e um dia). Abordaremos isso em mais detalhes no tópico sobre o direito de construir.
Os limites entre prédios e o direito de tapagem (muros)
Conforme estabelecido no artigo 1297 do Código Civil, o proprietário tem o legítimo direito de cercar, murar, valar ou de qualquer outra forma fechar o seu terreno, seja ele de natureza urbana ou rural.
Além disso, ele possui o direito de compelir o vizinho a participar da delimitação entre os dois imóveis, dividindo de maneira proporcional as despesas relacionadas a essa demarcação. A cerca ou muro que serve como divisão pertence a ambos, a menos que sua construção tenha sido motivada pela necessidade de impedir a passagem de animais de um ou ambos os vizinhos ou para algum outro propósito específico. Nesse caso, a cerca ou muro será de responsabilidade de quem deu origem à necessidade de fechamento.
Para resolver disputas relacionadas às linhas divisórias, a ação demarcatória é o meio adequado, conforme estabelecido no artigo 569 do Código de Processo Civil.
Quando essa ação é ajuizada, o juiz irá definir as áreas de acordo com a posse justa. Se não for possível chegar a um acordo sobre a divisão das terras, o terreno será dividido em partes iguais entre as propriedades. Caso essa divisão equitativa não seja viável, um dos proprietários receberá a propriedade, mediante o pagamento de uma indenização ao outro, conforme o artigo 1298 do Código Civil.
O direito de construir
Uma das disposições mais significativas do Código Civil, referente aos direitos de vizinhança, engloba o tópico do direito de construir, compreendendo os artigos 1299 a 1313 do Código Civil.
É importante ressaltar que as previsões dos direitos de vizinhança presentes neste contexto podem ser sujeitas a limitações estabelecidas pelo Estatuto da Cidade, pelo Plano Diretor e por diversas regulamentações municipais sobre construções. A previsão do Código não é absoluta.
Nesse contexto, várias restrições ao direito de construir em sua propriedade são apresentadas. Por exemplo, o proprietário deve assegurar que seu imóvel não direcione água para a propriedade vizinha (artigo 1300) e deve observar distâncias mínimas para a instalação de janelas, sendo necessário manter uma distância de 1,5 metros da divisa do terreno vizinho ou de 0,75 metros se a visão não for direta (artigo 1301).
Além disso, são estabelecidas regras para distâncias mínimas em construções de imóveis rurais (3 metros) e permissão para construir junto à parede de outros imóveis em áreas urbanas, entre outras disposições.
O ponto central a ser destacado nesse tópico é que essas regras, em consonância com os demais direitos de vizinhança, têm como objetivo principal evitar conflitos entre vizinhos, estabelecendo diretrizes mínimas para a convivência de forma a reduzir incômodos mútuos.
Direito de vizinhança x Servidão predial
O direito de vizinhança e a servidão predial apresentam afinidades notáveis, uma vez que em ambos os casos ocorre uma sujeição de um prédio em relação ao outro. Tanto é assim que o direito de vizinhança também é referido como uma servidão natural ou legal. No entanto, eles se distinguem em vários aspectos:
- A servidão predial é um típico direito real que incide sobre um bem alheio, estabelecido voluntária ou contratualmente, enquanto o direito de vizinhança é considerado um direito real atípico ou uma obrigação real, propter rem, com origem na lei e não em contrato. Para exemplificar: o direito de passagem de águas por meio do terreno vizinho requer o consentimento do proprietário deste (servidão predial); em contraste, o direito de drenar águas que naturalmente escoam de uma propriedade para uma inferior não depende desse consentimento (servidão legal de vizinhança);
- A servidão predial é criada para beneficiar um imóvel e impor uma restrição sobre outro (como a passagem por uma propriedade para encurtar um caminho), enquanto o direito de vizinhança tem por finalidade prevenir prejuízos a uma propriedade (como a passagem forçada);
- Os direitos de vizinhança são recíprocos, oferecendo benefícios e impondo obrigações potenciais a todas as propriedades vizinhas (segurança, tranquilidade e saúde são direitos e responsabilidades compartilhados nesse contexto), enquanto a servidão é unidirecional, beneficiando apenas uma propriedade e impondo um fardo à outra, desde que acordado contratualmente.